Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em certos casos, é uma depravação do nervo óptico. A imagem objectiva, que fere o órgão visual no estado patológico, adquire atributos fictícios. A alma recebe a impressão quimérica tal como sensório lha transmite, e com ela se identifica a ponto de revesti-la de qualidades e excelências que a mais esmerada natureza denega às suas criaturas dilectas. Os certos casos em que acima se modifica a generalidade da definição vêm a ser aqueles em que o bom senso não pode atinar com o porquê dalgumas simpatias esquisitas, extravagantes e estúpidas que nos enchem de espanto, quando nos não fazem estoirar de inveja.
E tanto mais se prova a referida depravação do nervo que preside às funções da vista quanto a alma da pessoa enferma, vítima de sua ilusão, nos parece propensa ao belo, talhada para o sublime e opulentada de dons e méritos que o mais digno homem requestaria com orgulho.
Camilo Castelo Branco, In "Coração, Cabeça e Estômago"
D. Sebastião, rei de Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
FERNANDO PESSOA, Mensagem
A El Rey D. Sebastião.
Saberá V. Ex.ca que desde a batalha de Alcácer-Quibir a 4 de Agosto de 1578, todos por terras Lusas choraram o seu desaparecimento. Muito se tem dito de V. Majestade. Imagine, diz-se até que estará morto! No entanto, a maior parte da população tem plena consciência que vossa alteza aparecerá numa manhã de nevoeiro - (cada vez mais difícil dado o calor) – e irá salvar de novo a pátria, profundamente afundada numa guerra quase perdida.
Ora decido escrever esta carta para lhe comunicar a imensa necessidade de que regresse ao Trono de Portugal, hoje já sem colónias, e assim consumar o pedido de grande parte de seus súbditos.
Se há momento em que precisamos de ser salvos será certamente este. Senão repare, a riqueza que o nosso país produz é cada vez menor, no entanto queremos continuar a viver à grande, gastando o que temos e o que não temos, esquecendo-nos que já não vêm remessas das Índias. O ouro e as especiarias vêm hoje de Bruxelas em forma de fundos comunitários, mas que neste modelo servem mais para sustentar vícios do que para fazer crescer o país, bem sei que sempre se sustentaram vícios, porém outrora, os vícios eram públicos, e temos ainda legado de importantes monumentos como a Torre de Belém, e obras afins. Hoje os vícios são privados e são alimentados com a compra de carros de alta cilindrada, o que não seria totalmente mau, não fosse o facto de os carros serem comprados na Alemanha, e por isso, o imposto não entrar nos cofres nacionais.
Imagine Vossa Excelência que hoje a Europa é uma comunidade de estados, em que os mais ricos contribuem para os mais pobres, e subsidiam, estradas, aeroportos, pontes e abates de barcos de pesca. Nesta União, multam-se os que da lavoura produzem em excesso, porque há um limite para a produção. É claro que estará a pensar que isso aumenta o desemprego, mas não se esqueça que as obras públicas alimentam o trabalho, precário e sem direitos é certo, mas como todos podemos circular livremente deste espaço, os imigrantes podem trabalhar por nós, e assim não temos que nos preocupar.
Veja então temos um país de desempregados, mas com estradas novas, e bons carros, e como vivemos com o que temos e com o que não temos, estamos bem, ainda que o defcit esteja alto por causa disso. Mas normalmente quando essa comunidade europeia nos chateia muito, aumentamos os impostos.
Realmente sobra o problema com a educação dos portugueses, mas como nós acreditamos em mitos, esperemos que surja o Quinto Império, e aí possamos dedicar-nos à cultura.
Bem o retrato, mais ou menos possível nestas breves linhas sugere que precisamos rapidamente de ajuda. Contamos consigo, aguardo pelo nevoeiro.
Atentamente
Tiago Antão
E é tão grande macroonda
Vista dali da marina
Cheia de tudo ambição
a inundar de ouro a mina
Roleta Russa aceita apostas
Falsos fiéis das balanças
"é quem fortuna tudo são
mudanças"
-perdes todos de quem gostas!
E eu serei a gorda
Tu serás a magra serei a sorte
E tu a cabra cega
E eu quem peca
mas seras quem paga
quem pesca um peixe fora d'água
Serás a Eva e eu serei a parra
Sereia gorda e tu a fava
Serei a erva e tu agarra
A cobra dobra fora de água
Eu serei a gorda tu serás a magra
A sorte porca e tu a paga
Serei quem peca mas serás quem paga
A vaca louca e magra
Onde a nave voga não havia vaga
Farás de foca e eu de faca
Estarás de lycra e eu de tanga
Um peixe fora de água
Adoro o campo, as árvores, as flores
jarros e perpétuos amores
que fiquem perto da esplanada de um bar
com os pássaros estúpidos a esvoaçar
adoro as pulgas dos cães
todos os bichos do mato
o riso das crianças dos outros
cágados de pernas para o ar
efectivamente escuto as conversas
importantes ou ambíguas
aparentemente sem moralizar
adoro as pegas e os pederastas que passam
(finjo nem reparar)
na atitude tão clara e tão óbvia de quem anda a engatar
adoro esses ratos de esgoto
que disfarçam ao dealar
como se fossem mafiosos convictos habituados a controlar
efectivamente gosto de aparências
imponentes ou equívocas
aparentemente sem moralizar